Vacinar para a Gripe? Sim, é fundamental!

A história da vacinação é realmente fascinante e reflete a resiliência da humanidade diante das epidemias. A necessidade de eliminar os dissabores causados pelas doenças infecçiosas sempre esteve enraizada no subconsciente de estudiosos, cientistas e médicos. A procura por melhores condições de vida e o impacto das epidemias nas sociedades humanas impeliram o caminhar rumo à descoberta das vacinas.

Dentre os relatos da antiguidade há escritos da Roma antiga, datados de 251d.C. a apontar a varíola como a epidemia conhecida como “peste de Cipriano” em alusão ao mártir São Cipriano, perseguido pelo Imperador Valeriano. A varíola matou e deformou milhões na metade do século XVII na Europa. A peste negra foi responsável por pelo menos 10 epidemias e 25 milhões de óbitos entre os séculos XV e XVII. A meningite causou enormes transtornos na saúde pública da américa latina na década de 70 e persiste na forma de surtos epidémicos, há mais de um século, na África subsariana. A SIDA foi o algoz dos anos 90 e início do século XXI e a gripe segue infectando pessoas, em todo o mundo, propagando-se em ciclos sazonais e a provocar, anualmente, milhões de casos graves e milhares de mortes, inclusivamente apoiada em seus protagonistas mais recentes (H5N1, H1N1, H3N2, H1N2 e SARS-CoV-2).

Os primeiros registos relacionados a tentativas de “vacinação” apontam para práticas de inoculação oriundas da china durante o século X, onde aspiravam pus das feridas de indivíduos acometidos por varíola. Os chineses também praticaram o mais antigo uso documentado da variolação, que remonta ao século XV. Eles implementaram um método de “insuflação nasal” onde crostas das feridas dos doentes eram reduzidas a pó e com ajuda de um tubo de bambu eram sopradas nas narinas das pessoas em busca de protecção. Esta prática deslocou-se da Ásia, passando por Constantinopla / Istambul até chegar a Europa. Em continuidade aos trabalhos de Sevel, Jensen, Jesty, Rendell e Plett (1770 – 1791), Eduard Jenner realiza a primeira inoculação do vírus Variolae vaccinae (que em Latim significa varíola da vaca) no ano de 1796. Esta prática originou a denominação “”vacina”, inicialmente só referenciada a varíola, entretanto em 1881 e para homenagear Jenner, Louis Pasteur sugere que o termo fosse estendido a todas as novas inoculações protetoras então em desenvolvimento.

Uma vacina representa uma preparação de antigénios (microrganismos, partes destes ou produtos derivados), que depois de inoculados no individuo saudável produzem uma resposta similar à da infeção natural induzindo imunidade sem risco para o vacinado. O agente estimula o sistema imunológico a reconhecê-lo como uma ameaça, destruí-lo e a manter um registo (memória imunológica) para que possa mais facilmente reconhecer e destruir o microorganismo em um futuro encontro. Além da proteção individual, a maioria das vacinas tem ainda a capacidade de, a partir de determinadas taxas de cobertura vacinal, interromper a circulação dos microrganismos entre pessoas originando aquilo a que se chama “imunidade de grupo”. Conforme as suas características e a epidemiologia das doenças numa determinada zona ou país, as vacinas podem integrar os programas de vacinação nacionais (com esquemas adaptados à realidade de cada país ou região), serem utilizadas para determinados grupos de risco, em circunstâncias especiais, como as viagens, além de aplicadas mediante indicação médica individualizada. Vacinas são, historicamente, o meio mais efetivo e seguro para se combater e erradicar doenças infecciosas, entretanto há limitações para sua eficácia e por vezes a proteção oferecida pode falhar porque o sistema imune humano não consegue responder de forma adequada, nomeadamente na presença de determinadas doenças ou medicamentos que comprometam seu desempenho (diabetes, SIDA e esteroides sintéticos, dentre outros), mas também por inadequado cumprimento do calendário de vacinação ou pela presença de fatores genéticos como a inexistência ou defeito na linhagem de células B a provocar incapacidade na geração de anticorpos específicos com a finalidade de ligação a um determinado patógeno. Mesmo que o organismo desenvolva os anticorpos, a eficácia não é 100% garantida, pois a resposta pode desenvolver-se muito lentamente para ser efetiva, os anticorpos podem não destruir o patógeno completamente ou pode haver muitas cepas diferentes de patógenos, nem todos suscetíveis a uma resposta imune. Porém, até mesmo a imunidade parcial, tardia ou fraca pode mitigar a infecção, resultando em uma baixa taxa de mortalidade, baixa morbidade e total recuperação. Adjuvantes imunológicos são normalmente usados para aumentar a resposta imune, particularmente nos idosos, nos quais apresenta-se inversamente proporcional a idade.

Segundo o SNS para uma vacina ser utilizada é necessário um extenso processo, com diferentes fases ao longo de vários anos. Uma fase inicial com investigação em laboratório e em animais. Uma fase de ensaio em humanos com duração de anos, constituída por etapas, de acordo com os princípios éticos rigorosos, segurança e eficácia, onde as vacinas candidatas são progressivamente aplicadas a um maior número de pessoas. Uma fase final, após a introdução da vacina na comunidade, com vigilância estreita da eficácia a longo prazo e do eventual aparecimento de reações adversas. Todas as vacinas autorizadas no mercado europeu têm um elevado grau de segurança, eficácia e qualidade, sendo ainda exigida uma certificação, lote a lote, antes da sua distribuição, mesmo após vários anos de experiência e milhões de vacinas administradas em todo o mundo. Por isso, são raras ou muito raras as reações adversas graves comprovadamente associadas às vacinas, bem como as condições que constituem precauções ou contraindicações à vacinação. Todas as crianças e todos os adultos devem cumprir os esquemas de vacinação recomendados para a sua idade e o seu estado de saúde. Nos ensaios clínicos realizados, dezenas de milhares de voluntários foram vacinados e comparados com um número idêntico de voluntários não vacinados. Os indivíduos vacinados foram acompanhados em termos de segurança, ao longo de mais de seis semanas. Este é o período em que habitualmente surgem efeitos adversos comuns após a toma de vacinas, não se tendo observado uma frequência ou gravidade destes efeitos que coloque em causa a segurança das vacinas. As vacinas são seguras sim. O exemplo mais recente com grande impacto na evolução de uma pandemia, foi o desenvolvimento e aprovação das vacinas contra a COVID-19, onde esteve garantida a eficácia, segurança e qualidade, através de ensaios clínicos e de uma avaliação rigorosa pela Agência Europeia de Medicamentos.

Devo vacinar-me para a gripe? a varíola foi a 1º doença erradicada no mundo … graças a vacinação. A febre tifóide, difteria, sarampo, papeira e rubéola são afecções raramente observadas hoje por causa das vacinas. A vacina do sarampo, criada por Maurice Hilleman, salva cerca de 1 milhão de vidas ao ano. Em decorrência da criação da vacina antirrábica Louis Pasteur reduziu de maneira considerável a incidência de uma doença com 100% de mortalidade. A vacina contra o HPV e a vacina contra a varicela são exemplos de acções com grande impacto na saúde pública, redução de complicações clínicas de curto e longo prazo. A vacinação foi responsável pela restrição geográfica de doenças como a poliomielite, sarampo e o tétano em grande parte do mundo. A Organização Mundial de Saúde relata que as vacinas licenciadas estão atualmente disponíveis para prevenir ou contribuir para a prevenção e controle de mais de 25 infecções. A OMS declarou a poliomielite erradicada nas Américas (1994), na Europa (1999) e em África (2020), obviamente após um esforço hercúleo nos programas de vacinação. Antes da introdução da vacinação de rotina em crianças, as doenças infecçiosas eram a principal causa de morte infantil.

A vacina da gripe é altamente recomendada, especialmente para grupos vulneráveis e prioritários (infantes, maiores de 65 anos, doentes crónicos, grávidas e profissionais de saúde), por ser a forma mais eficaz de prevenir a gripe e suas complicações, além de gerar sintomas mais brandos e limitados naqueles que adoecem após a vacinação.

A vacinação deve ser entendida como um direito e um dever dos cidadãos, participando ativamente na decisão de se vacinarem, com a consciência de que estão a defender a sua saúde, a saúde pública e a praticar um ato de cidadania. As vacinas constituem o maior avanço da medicina moderna, foram responsáveis pela completa mudança no panorama das doenças infeciosas e permitiram salvar mais vidas e prevenir mais casos de doença do que qualquer outro tratamento médico.

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