Como prevenir os afogamentos

Os afogamentos são a segunda causa de morte em crianças e jovens, logo a seguir aos acidentes de viação. Em média, por ano, morrem 26 crianças afogadas em Portugal, e por cada morte cerca de 4 são hospitalizadas devido a um afogamento não-fatal. Os adultos maiores de 35 anos são o grupo populacional onde se verifica maior número de mortes por afogamento. Contudo a taxa de morte ajustada à população de cada grupo etário revela que a incidência no grupo etário dos menores de 5 anos é igualmente alta. A maioria das mortes por afogamento em Portugal ocorrem nos meses de Verão, por ser nesses que a população de risco mais se expõem aos ambientes aquáticos.

A prevenção assume portanto um papel de destaque, pelo que, entrevistamos a Doutora Catarina Queiroga, doutorada em Biologia e especialista em prevenção de afogamentos, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, atual membro da Comissão de Prevenção de Afogamentos e do Comité Médico da ILS – Federação Internacional de Salvamento Aquático e fundadora da IDRA – International Drowning Researchers’ Alliance. 

O que devemos fazer para prevenir afogamentos?

R: A prevenção do afogamento deve fazer-se recorrendo a várias estratégias que se complementam e sobrepõem em camadas de proteção sucessivamente mais abrangentes. As estratégias de prevenção implementadas devem ser, sempre que possível, ajustadas à faixa etária e outras características do grupo de risco.

Enquanto pais o nosso papel será o de garantir que os nossos filhos fruam da água com o máximo de segurança possível. As barreiras de acesso à água são a primeira camada protetora uma vez que muitos afogamentos ocorrem quando não era suposto estar ninguém na água. Devemos também investir na ambientação aquática tão cedo quanto possível, começando no banho em casa, e com a aquisição de competências aquáticas, que vão além das técnicas de natação, e deverão incluir competências de segurança aquática e resgate seguro, de acordo com a idade e desenvolvimento da criança. E por fim, a medida que se sobrepõem a todas as outras sem as excluir é a supervisão constante, tanto mais próxima quanto mais pequena for a criança – idealmente dentro da água no caso dos bebés, e à distância de um braço, no caso de menores de 5 anos! À medida que as crianças se tornam jovens adolescentes e jovens adultos e a sua autonomia aumenta, torna-se determinante que a aquisição de competências aquáticas tenha sido bem consolidada pois nessas faixas etárias aumenta, naturalmente, a probabilidade de exposição a ambientes aquáticos sem supervisão por adultos ou por profissionais de segurança e salvamento aquático.

O trabalho preventivo mais importante a fazer para efetivamente impactar estas faixas etárias será a da avaliação de risco uma vez que, muitas vezes por pressão dos pares, os comportamentos de risco e subvalorização dos perigos aquáticos estão na origem da maioria dos casos de afogamento a partir 10 anos de idade.

Q: Quais são os auxiliares de flutuação indispensáveis?

R: Ora aqui está uma pergunta que recebo recorrentemente. A minha resposta será sempre COLETE. Embora seja imprudente recomendar uma solução “tamanho único” que sirva a todos e em todas as ocasiões. Para além disso esta será apenas uma das camadas de proteção de que falei antes.

 “Mas nas lojas há tantas opções – qual devo escolher?”, perguntam-me muitas vezes. Antes de mais, importa definir claramente o conceito de auxiliar de flutuação e não o confundir com outros equipamentos pessoais de flutuação. Equipamento pessoal de flutuação (da sigla em inglês PFD) corresponde a todo o equipamento de uso individual e que flutua. Nesta categoria incluem-se, portanto, equipamentos com níveis de flutuabilidade e segurança muito distintos, desde coletes salva-vidas a brinquedos que flutuam (insufláveis).

Um auxiliar de flutuação, assiste uma pessoa consciente a manter-se à superfície de água mesmo que não tenha sido desenhado para esse efeito, enquanto, por exemplo, um colete salva-vidas pode suportar efetivamente uma pessoa inconsciente não só à superfície da água, mas também com as vias aéreas fora de água, ou seja, quando usado, o equipamento coloca automaticamente a pessoa de barriga para cima.

Q: Então qual escolher?

Pessoalmente sugiro a utilização de um colete, que, não sendo necessariamente colete salva-vidas, possa auxiliar a flutuação de uma forma equilibrada e o mais semelhante ao que aconteceria se não o usasse para que a ambientação aquática seja mais eficiente.

Q: Primeiro aspeto a considerar para escolher um auxiliar de flutuação

R: EVITAR comprar um auxiliar insuflável, pois a probabilidade de ficar mal ajustado e furar é elevada. Idealmente devíamos poder fazer um “test-drive” ao equipamento antes de o comprar. Algumas escolas de natação possuem vários equipamentos disponíveis para os pais experimentarem. A criança deve experimentar o equipamento adequado ao seu peso e testar o ajuste (há crianças que mesmo com o mesmo peso têm estaturas diferentes, mais ou menos barriga, e tudo isso influencia o conforto e segurança da utilização). Não sendo possível, para menores de 5 anos, sugiro que o colete tenha fita regulável de prender entre as pernas. Na zona dos ombros não deve ter mais espaço do que 2 dedos, entre o ombro e a ombreira/alça do colete.

Contudo, estes coletes permitem que a criança se coloque de barriga para baixo, enquanto mantêm alguma flutuabilidade, e é possível a criança mergulhar se quiser ou se não se equilibrar com o equipamento, pois foram desenvolvidos para auxiliar a flutuação sem comprometer o usufruto da água. Será, portanto, sempre importante testar em ambiente controlado para ver como a criança se ajusta ao próprio equipamento e redobrar a atenção – NUNCA confiar cegamente num auxiliar de flutuação. A vantagem deste equipamento é a de permitir que as crianças e adultos disfrutem de uma zona mais profunda da piscina sem grandes preocupações para o adulto que esteja na água a supervisionar a criança, já que não tem de suportar o peso da criança enquanto se suporta a si também.

Importa também referir que se vai a criança vai utilizar o auxiliar numa piscina é uma coisa, se vai andar de barco ou praticar alguma atividade aquática, então sugiro um colete salva-vidas. Recordo que em caso de acidente e se o adulto ficar inconsciente, apenas o colete salva-vidas manterá a criança à superfície da água e voltada para cima.

Q: Como reconhecer estes coletes nas lojas?

R: Eles têm usualmente tronco flutuantes podendo ter ou não também “manguitos” flutuantes (evitar a compra de insufláveis e optar por enchimento de espuma). Para além de escolher aquele que for mais ajustado ao tamanho e peso da criança, devemos incluir na equação a ambientação aquática da criança. Isso terá influência sobre o balanço do binómio segurança (flutuabilidade) – mobilidade. Quanto mais seguro o equipamento menos mobilidade permitirá.

Q: E porque não braçadeiras, afinal o meu filho até se desenrasca na água?

R: Embora amplamente usadas como auxiliares de flutuação as braçadeiras não são um flutuador seguro nem tão pouco salva-vidas e podem inclusive ser perigosos. Em particular, as braçadeiras (ou qualquer outro equipamento de flutuação para colocar apenas nos braços) não promovem uma posição confortável nem segura na água e se forem insufláveis não poucas vezes ficam mal ajustadas e saem. As braçadeiras “obrigam” a posturas de nado e de flutuação ineficientes, dão a falsa sensação de segurança aos pais e as crianças que as usam julgam que sabem nadar. As crianças mais pequenas não conseguem fazer a ligação cognitiva que é o equipamento que lhes permite respirar e brincar com a cabeça fora de água.

Q: Que critérios devemos ter em conta quando compramos auxiliares de flutuação para as crianças?

R: Na sequência da questão anterior, a maioria dos produtos que se vendem nas lojas são auxiliares de flutuação e, portanto, não têm flutuabilidade suficiente nos locais adequados para automaticamente virarem a pessoa para cima e permitirem que respire livremente. Postos isto, quando vamos comprar um auxiliar de flutuação devemos ter em conta o tipo de utilização que vai ser dado ao equipamento, e quais competências aquáticas e peso e tamanho do utilizador. Não existe uma solução única que sirva a todos.

Q: As restrições impostas pela pandemia por COVID-19 podem desencorajar as tradicionais idas à praia das famílias portuguesas e estimular a opção por ambientes privados com piscinas não vigiadas. Que recomendações dirige aos utilizadores de piscinas privadas?

R: Essa é de facto uma grande preocupação. Aliás no ano passado verificou-se em vários pontos do globo um aumento dos casos de afogamento infantil em ambientes aquáticos residenciais. Ainda não dispomos dos dados em Portugal, mas o aumento de notícias verificado nos recortes de imprensa parece apontar para uma tendência semelhante no nosso país.

Para quem usa piscinas privadas sugiro que, não existindo barreira de acesso, mantenham vigilância constante das crianças, mesmo que estejam dentro de casa ou noutras áreas do espaço que não incluam atividades aquáticas programadas. Quando na água,  sugiro que se mantenham à distância de um braço da criança e que a mesma use um auxiliar de flutuação ajustado ao seu peso e competências aquáticas. Mesmo que uma criança esteja acompanhada por outras eventualmente mais velhas, mantenha-se vigilante – o afogamento é rápido e silencioso. A pessoa não pede ajuda e dificilmente outros reconhecerão o amigo em apuros. No caso de jovens adultos é importante que reconheçam os comportamentos de risco associados ao uso de piscinas privadas e que usualmente implicam o consumo de álcool e a realização de atividades competitivas como a de suster por mais tempo a respiração debaixo de água.

Q: Ao contrário do que é divulgado nos canais de comunicação, o processo de afogamento não envolve um grito de ajuda. Como é que podemos identificar um afogamento, se não formos profissionais de salvamento aquático?

R: Sim, muitos de nós já ouvimos o slogan “o afogamento é rápido e silencioso”. Trata-se de um processo de dificuldade respiratória resultante da submersão ou imersão em meio líquido e que pode causar a morte ou não. Uma pessoa em processo de afogamento não tem como pedir ajuda pois está a tentar respirar. Existem várias características comuns às pessoas que se afogam. Usualmente, os comportamentos típicos de quem se está a fogar incluem, a dificuldade aparente dentro de água e de se manter à superfície, o desaparecimento súbito debaixo de água, a realização de movimentos semelhantes ao de subir um escadote (na vertical e com as mãos apenas ligeiramente a pressionar a superfície da água), ou movimentos, circulares e para trás, com os braços estendidos na lateral. Uma pessoa a afogar-se NÃO GRITA por ajuda pois está a tentar respirar e NÃO ACENA pois está a tentar manter-se à superfície da água.

Q: Como devemos agir para ajudar alguém que tenha sofrido um acidente por submersão?

R: A primeira ação será a do reconhecimento precoce da pessoa em dificuldades com base nas características anteriormente referidos, e pedir a alguém para chamar ajuda enquanto mantemos o contacto visual com a pessoa em dificuldades. Idealmente reconheceremos o evento antes que ele se torne um processo de afogamento. Depois do reconhecimento e pedido de ajuda, devemos tentar fornecer algum auxiliar de flutuação e só depois tentar extrair a pessoa da água se e só se for seguro para nós, caso contrário aguardar pela ajuda solicitada.

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