Vamos falar de Cuidados Paliativos?

A 9 de outubro comemora-se, anualmente, o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, e de acordo com a definição da Organização Mundial de Saúde, os cuidados paliativos são cuidados que melhoram a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, abordando os problemas associados às doenças que ameaçam a vida, prevenindo e aliviando o sofrimento, através da identificação precoce e avaliação minuciosa da dor e outros problemas físicos, psicológicos, sociais e espirituais.1

Os Cuidados Paliativos baseiam-se em afirmar a vidae aceitar a morte como um processo normal; não servem para tratar apenas a dor e olham às diversas vertentes do sofrimento, não servem para apressar a morte ou para prolongar esse processo, não servem apenas para intervir nos últimos dias de vida. Não promovem o encarniçamento ou obstinação terapêutica, tomam decisões com o doente e discutem com eles as opções de tratamento, dando ao doente o direito de os recusar de forma devidamente esclarecida. São verdadeiros cuidados de saúde, humanizados, com uma equipa multidisciplinar, que privilegiam sempre o conforto do doente e família.

Sabemos que com o desenvolvimento social e os progressos da Medicina ao longo do século XX levaram a um aumento da longevidade e à alteração marcada dos padrões de morbilidade e de mortalidade. As principais causas de morte passaram a ser as doenças crónicas, com o final da vida a ocorrer após um período mais ou menos longo de dependência, e assistimos a uma nova realidade, com um número crescente de doentes com cancro avançado e com outras doenças progressivas graves não oncológicas.2,3

Cuidar e Tratar em Cuidados Paliativos, começa no diagnóstico da doença irreversível e incurável e, não apenas no fim de vida, pois o nosso trabalho não passa só pelo tratamento medicamentoso dirigido aos sintomas, mas sim a visão e plano de cuidados holístico, baseado no doente e na família e não somente na doença, integrando as componentes psicossociais e espirituais nos cuidados do doente e família, inclusive no processo de luto.

São milhares os portugueses que precisam de cuidados paliativos no nosso país (>60.000), mas apenas menos de 1/3 têm acesso a eles.4

Todo, este processo de “Cuidar e Tratar em Cuidados Paliativos”, foi vista como secundária ou menos importante nesta fase pandémica, fragilizando, assim, os Cuidados Paliativos. O medo do desconhecido que assombrou diariamente a nossa população no último ano, fez com que os indivíduos fossem a menos consultas, foram realizados menos exames, menos rastreios, menos diagnósticos, menos tratamentos.

Vejo isto com muita tristeza e alguma inquietação pois estamos perante diagnósticos com doenças em estadios muito mais avançados, com muita sintomatologia difícil de gerir, e com timing diminuto para preparar o doente e a família para o seu desfecho. Muitos destes doentes acabam por nem ter acesso a estes cuidados, ou por desconhecimento ou pelo fim de vida breve.

Na nossa sociedade existem ainda vários mitos em tornos dos cuidados paliativos, e cabe a todos nós desmistificar esses mitos/medos. Se por um lado, ainda temos enraizado que o morrer implica sofrimento; o fingir que não existe para não acontecer; o desconhecimento; o medo; o tabu; por outro lado existe uma necessidade urgente de que a divulgação e informação transmitida pela comunicação social seja transparente, informativa e esclarecedora e acabarmos de vez com a desinformação. Este último, primeiramente e sempre trabalhado pelos profissionais de saúde, passar sempre a informação clara e completa, o doente tem o direito de estar esclarecido sobre o diagnóstico e prognóstico, assim como, fazer parte integral do plano de cuidados até ao seu fim de vida.

A esperança é de mudança, de mentalidades, paradigmas, mais e melhor divulgação de tudo que envolve esta enorme competência que são os Cuidados Paliativos.

Dra. Ana Raquel Ramos

Artigo redigido pela Dra. Ana Raquel Ramos,

Especialista em Medicina Interna

Referências:

1. OMS -Organização Mundial da Saúde.

2. WHO Regional Office for Europe. The Solid facts: Palliative Care. Ed: Davies E, Higginson I. Copenhaga 2004.

3..Martin-Moreno JM, Harris M, Gorgojo L, et al  Palliative Care in the European Union, Brussels: European Parliament, Policy Department Economic and Scientific Policy (PE 404.899) May 2008, Acedido em: http://www.europarl.europa.eu/activities/commitees/studies/download.do?file=21412

4. INE – Instituto Nacional Estatística

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