Obesidade, a outra pandemia

A palavra pandemia invadiu o quotidiano de uma forma tão intensa e persistente que passou a fazer parte do vocabulário de todos nós, sem exceção.

E todos temos hoje a perceção de como uma pandemia pode mudar a nossa forma de viver e de como encaramos questões tão importantes como a saúde e a doença. Mas também é verdade que a covid-19 muito tem contribuído para nos desviar de outros problemas com enorme impacto na sociedade.

É, pois, tempo de olharmos para outra pandemia, não menos marcante e, ao mesmo tempo, desafiante, pela importante morbilidade e potencial de mortalidade precoce a ela associada ─ a obesidade.

A obesidade é um problema de saúde pública crescente, estimando-se em mais de 1,9 biliões o número de obesos ou com excesso de peso em todo o mundo. Em Portugal, dados do Ministério da Saúde publicados em 2018 revelaram que 28,7% dos adultos com idades entre os 25 e os 74 anos eram obesos, estimando-se que estes números continuam a aumentar de forma drástica. Na verdade, o problema acentuou-se durante a pandemia covid-19 com o confinamento e o sedentarismo, os sintomas de depressão e ansiedade e a maior procura de fast-food, alimentos processados e hipercalóricos, agravando as já elevadas taxas de obesidade e excesso de peso existentes.

A obesidade é uma doença crónica, complexa e multifatorial. Não se trata apenas de um problema estético. A acumulação anormal e excessiva de gordura corporal aumenta significativamente o risco de doenças como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, hipercolesterolemia, doença coronária e enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, apneia obstrutiva do sono, doença hepática, depressão, doenças osteoarticulares e vários tipos de cancro. Sabe-se hoje que esta doença tem elevados custos socioprofissionais e familiares e um grande impacto na qualidade e esperança de vida dos doentes. Estimativas a nível mundial apontam para 2,8 milhões de mortes por ano em adultos devidas a doenças cardiovasculares associadas à obesidade.

Infelizmente, apesar de todas as evidências, a obesidade continua a ser na atualidade uma doença pouco valorizada e das menos diagnosticadas e tratadas.

Das várias opções terapêuticas atualmente disponíveis para doentes com obesidade mórbida, o tratamento cirúrgico tem-se revelado uma abordagem muito segura e, definitivamente, a opção mais eficaz. A cirurgia bariátrica/metabólica é a única modalidade que permite obter perdas ponderais significativas e sustentadas no tempo e a reversão dos problemas de saúde associados, resultando num aumento significativo da expectativa de vida dos doentes.

Na prática, este tratamento envolve procedimentos e técnicas minimamente invasivas, efetuadas por via laparoscópica, em que se utilizam pequenas incisões com cicatrizes mínimas, muito bem toleradas. Atualmente, os procedimentos mais realizados são o bypass e o sleeve gástrico, primários ou revisionais (i. e., como 1ª ou 2ª intervenção); estão também disponíveis outras técnicas menos realizadas e/ou divulgadas no nosso meio (p. ex., banda gástrica, mini bypass gástrico, SADI-S), apenas indicadas para casos selecionados. Em última análise, a opção cirúrgica é sempre uma escolha individualizada, de acordo com as características particulares e a preferência de cada doente.

Os candidatos ideais são os doentes com obesidade persistente que falharam as tentativas não-cirúrgicas de redução do peso e que estão suficientemente motivados para implementar alterações significativas no seu estilo de vida, nomeadamente no comportamento alimentar e atividade física. Sublinhe-se que, em todo este processo, o doente deve ser acompanhado por uma equipa multidisciplinar devidamente qualificada (cirurgia, nutrição, psiquiatria, endocrinologia, medicina interna), capaz de proporcionar o tratamento e seguimento integrado de todos os doentes.

Está, pois, na altura de voltarmos a colocar o foco neste verdadeiro problema de saúde pública. Mais do que nunca, é tempo de reforçar a acessibilidade destes doentes à prestação de cuidados de saúde em tempo útil, criando condições para que se garanta o acesso atempado a uma consulta multidisciplinar e ao tratamento cirúrgico adequado,em conformidade com os requisitos de qualidade técnica e científica atuais.

Prof. Dr. António Gouveia

Cirurgia Geral

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